25 abril 2007

a derrota do futebol

há um momento no encontro que opõs ontem à noite o milan ao manchester united no qual qualquer adepto de futebol que não seja comentador da rtp nem sócio dos ingleses percebe porque é que cristiano ronaldo não é o melhor jogador do mundo. há um momento em que o brasileiro kaká consegue através de um subtil movimento de cabeça fazer chocar dois defesas ingleses, naquela que poderá ter sido a maior humilhação da vida de ambos, culminando a jogada num belo tento.
o jogo de ontem, para além de uma partida emocionante, foi um festival de comentários ridículos. os dois repórteres do canal público de televisão, para além das banalidades comuns e de alguns erros técnicos (o milan não é terceiro classificado da liga italiana), passaram hora e meia a falar do "cinismo típico" da equipa de milão. referiram.no, segundo as minhas contas, pelo menos 5 vezes. repetiram e abusaram dos chavões sobre o futebol italiano, que só utiliza quem não vê um jogo da liga desde que o arrigo sacchi deixou de treinar, e esqueceram.se de falar de futebol real. meteram o milan numa espécie de ilusão imagética à qual vivem agarrados todos os europeus que se habituaram a ouvir falar em catenaccio, sem que saibam muito bem o que é que isso quer dizer. em relação ao manchester nem sequer falaram. estiveram demasiado ocupados a falar da genialidade de cristiano ronaldo, de cada vez que ele pegava na bola, mesmo que apenas por dois segundos. tudo serviu para fazer juízos de valor sobre ronaldo. tudo servia de desculpa para o jogo apagado que o português realizou: ou os colegas não correspondiam, ou o treinador estava a errar na sua colocação. um dos comentadores repetiu mais de trinta vezes que ronaldo era um génio.
se isto é o melhor que tem para dizer uma pessoa paga para comentar um jogo daquele nível, contratem.me a mim.
mas depois há aquele momento do jogo. e aquele segundo golo do brasileiro significou uma verdadeira inflexão dos próprios comentários. a partir daquele momento, como que do nada, aparece um outro génio em campo. ronaldo apaga.se definitivamente e os comentários começam a virar.se para a evidência, em tom crescente.
no final do jogo ronaldo era como o'shea: não existia. e kaká continuava a driblar sem aqueles tiques irritantes, apenas com o movimento do corpo e com aquele típico deixar a bola andar só mais um milésimo de segundo para ultrapassar mais um jogador.

o futebol resume.se a três coisas: elegância, geometria e sacrifício.
o milan, e sobretudo kaká, tem tudo o que é preciso.
e sinceramente, em resposta ao meu irmão, que gosta do cristiano e que vai perceber a origem desta crónica, não posso garantir que o milan seja mais forte mas acredito que o futebol vai vencer na segunda mão.
mas mesmo que não vença, fica o momento em que o kaká fez aquela maldade aos defesas ingleses, durante o qual me lembrei imediatamente do tipo da liga dos últimos, um daqueles destruídos pelo álcool e pela interioridade, que resumiu numa frase mítica o futebol: quando a bola beija a rede, é golo.

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